A guerra contra as drogas começou em 1925 com a "Convenção Internacional do Ópio". O mundo era muito diferente naquela época. Os Estados Unidos ainda possuíam leis segregacionistas e mulheres ainda não podiam votar em eleições, na maioria dos países do mundo. Esta guerra contra as drogas nunca surtiu o resultado esperado, pelo contrário. Enriqueceu cartéis, marginalizou pessoas por sua cor de pele e aumentou a violência em cidades. Mas porque ainda continuamos nessa desesperançosa guerra?
Se você já visitou alguma penitenciaria, ou assistiu algum programa de TV sobre o assunto, já reparou que o clima não é muito agradável. E o sistema penitenciário está longe de estar falido, como outros setores. Cerca de 720 mil presos (IBGE 2015) estão desfrutando das acomodações de nossas "belíssimas" prisões. Isso é sem dúvida fruto de um grande esforço conjunto do poder legislativo e do judicial. Enquanto os policiais estão nas ruas angariando os criminosos, os juízes e advogados estão nos tribunais alocando o local e tempo de estadia. Isto tudo tem um custo, é claro. Em 2015 a verba alocada para o sistema prisional foi de R$1,8 bilhão por mês, então em um ano R$21,6 bilhões (IBGE 2015). O principal motivo para essa quarentena forçada, é o tráfico de drogas. Mas também, alguns desses infratores cometeram homicídios. O Brasil é o país no mundo onde mais ocorrem homicídios como mostra este dado de 2014 (IBGE). 160 pessoas morriam por dia, sendo que seis desses óbitos foram resultado de violência policial. Muito provavelmente, na guerra contra as drogas. Esquecemos que a guerra contra as drogas na verdade não é contra as drogas, e sim contra pessoas. Pessoas que poderiam estar ganhando dinheiro como força produtiva no mercado gigantesco inexplorado das drogas.
Mas o que são as drogas, e porque o Estado tem travado esta longa batalha? Não devemos esquecer que as drogas eram grandes aliados de nossos antigos governantes. Por exemplo, tanto os alemães como os americanos utilizavam meta-anfetamina para melhorar a produtividade de seus soldados. A utilização de substancias e aspectos do nosso entorno, da natureza, para melhorar qualquer função que desempenhamos ou por pura diversão pode datar tão longe quanto a própria existência da civilização. Um certo dia, 5 mil anos atrás, um pigmeu africano notou um comportamento estranho nos javalis que comiam um certo arbusto. Os animais ficavam letárgicos ou desorientados. Resolveu experimentar e gostou do efeito, tanto que resolveu falar para toda sua tribo. O responsável pelos rituais da tribo também gostou, tanto que até começou a adotar essa planta como parte de seus rituais. Logo essa prática se espalhou para outras tribos, e continua até os dias de hoje. A árvore é a Tabernanthe iboga, conhecida apenas como iboga e é usada para cerimonias no Gabão, Angola, Guiné e Camarões. Assim, como o iboga, diversas plantas ao redor do mundo são usadas pelo homem para diversos fins. “Ao longo da história, as drogas tiveram usos múltiplos que alimentaram e espelharam a alma humana”, diz o professor da USP Henrique Carneiro, autor de Pequena Enciclopédia da História das Drogas e Bebidas. Algumas tomaram tanta a atenção de cientistas que foram levadas para o laboratório e estudadas, desenvolvendo remédios e outros produtos.
Todo mundo que já passou pelo ensino médio conhece Aristoteles, Platão, Socrates e outros filósofos gregos. O que não nos é contado, é que, através de rituais religiosos, muito comuns no chamado no que os católicos chamavam de "paganismo", eram utilizados fungos e outras plantas para causar efeitos alucinogénos. Ou seja, a base da nossa sociedade e da ciência, teve forte influência de drogas. Está tudo documentado, fazia parte da cultura da época. Os romanos também usavam em suas orgias, mas com o intuito recreativo. Por que a maioria de nós não sabe disso? A igreja católica fez grandes esforços para que todas as culturas diferentes fossem suprimidas. A utilização das drogas era muito comum em povos pagãos, que as utilizavam de forma espiritual para estar mais conectados com seus diversos deuses, ou como prática médica. O catolicismo buscava se expandir, movido pela ganância, monopolizou forçadamente tanto o contato com alguma forma superior de poder, Deus.
Entendemos então que as drogas estão presentes em nossa sociedade desde sua formação. Mas a questão da proibição por parte do nosso governo ainda está em aberto. A resposta mais óbvia é que as drogas proibidas são aquelas que nos causam danos, ou seja, nossos legisladores estão tentando nos proteger. Porém, existem diversas coisas que nos causam danos e são promovidas pelo modelo moral e legal atual. Dormir pouco, beber café durante o dia e de noite ingerir bebidas alcoólicas é altamente promovido no nosso sistema capitalista e quase que um sinonimo de sucesso. Aquele que fica trabalhando até tarde, toma café durante o dia inteiro e sai para o "Happy-Hour" na sexta feira é visto como um herói no ambiente de trabalho. Contudo existem diversos estudos apontando que estas 3 coisas, quando realizadas com regularidade, causam danos enormes e em muitos casos irreversíveis no nosso corpo. Uma má rotina de sono é um dos maiores indicativos de Alzheimer, além de acarretar outros problemas adjacentes como acidentes de carro. Mas, segundo nosso modelo economico, quanto mais as pessoas estão acordadas mais elas produzem, então o café é um grande aliado do capitalismo. O alcool também é visto como um pilar de muitas culturas. O que você faz quando tem uma noticia boa? Convida os amigos para comemorar bebendo um engradado de cerveja. Quando você quer ganhar coragem para tomar a iniciativa de alguma coisa, seja por exemplo falar com uma garota na balada, você faz o que? Bebe mais uma cerveja. E ninguém vê um problema nisso. Mas o que o alcool faz é te deixar mais irracional, mais propenso a se expor a comportamentos de risco, menos consciente de suas ações, as pessoas sobre o álcool tendem a ter menos empatia, menos cognitivamente aguçado, a resposta cerebral a estimulos é atrasada e mais propenso a fazer grandes erros que podem mudar o rumo de sua vida. Seria de suspeitar que algo desse tipo seria proibido pelo governo certo?
Um pode falar: "Mas as drogas são viciantes e fazem a pessoa perder todo seu dinheiro e ir a miséria". Também é comum ter o grande medo "Se uma pessoa usar droga uma vez ela vai querer usar para sempre". Podem até dar exemplos reais onde a vida de pessoas realmente foi a miséria quando ela começou a usar drogas. Assim, existe o medo que o nosso mundo vire um caos caso as drogas sejam legalizadas. Este medo comum se dá pelos estudos do inicio do século passado. Cientistas colocaram ratos numa caixa fechada com dois bebedouros, um com água limpa e outro com água contaminada com heroína. Os ratos provavam as duas águas, mas escolhiam a heroína e se tornavam tão viciados ao ponto de ter overdose e morrer. Então, por muito tempo, a comunidade cientifica tinha este pensamento sobre o efeito das drogas em humanos. A substância química deixava a pessoa dependente da heroína até o ponto de overdose. As medidas então usadas para combater as drogas eram de punição. Até não muito tempo atrás um viciado era tratado como um prisioneiro, ou muito pior. Forçados a fazer trabalhos repetitivos, humilhações públicas, privação de necessidades básicas e muitos outros sistemas de "tratamento". É fato que nunca surtiu efeito, as pessoas saiam das clínicas piores, mais fragilizadas e voltavam para a drogas com mais força do que antes. Porém, um cientista chamado Bruce Alexander, que trabalhava na Universidade Simon Fraser no Canadá, notou que as pessoas nos hospitais também eram tratadas com drogas, muitas vezes muito mais potentes que as encontradas nas ruas, mas ao saírem do hospital não iam procurar por traficantes para continuar sustentando sua dependência. Uma senhora que quebrou a bacia e precisa fazer uma cirurgia, vai para o hospital e recebe diariamente um alta dose de sedativos, para minimizar a dor. Porém ao sair do hospital ela não está viciada, volta para sua família e segue sua vida normal. Então, este cientista, realizou o mesmo experimento, mas com variáveis diferentes. Ao invés de colocar os ratos presos numa caixa vazia, ele criou o verdadeiro paraíso para os ratos. Eles tinham comida a vontade, espaço para poder se locomover com liberdade, diversos outros ratos para conseguirem ter ser aspecto social e os dois bebedouros, um com água e outro com heroína. Um fato foi surpreendente: apesar de os ratos continuarem a beber a heroína eventualmente, eles não repetiam a dose, aprenderam qual era o bebedouro seguro e só começaram a beber deste. Concluiu assim que, não é a droga que leva a pessoa a miséria, mas sim a miséria que leva a pessoa para a droga. A falta de alguma necessidades fisiológica ou psicológica pode acarretar o vicio, onde a pessoa necessita fugir de sua realidade e assim utiliza a droga como válvula de escape.
A guerra da drogas então, além de completamente ineficaz, influência o aumento no número de usuários de drogas. Pois ao criar esta violência e miséria tira necessidades básicas das pessoas, que podem consequentemente recorrer às drogas para aliviar suas dores.
Por que então continuamos? Se concordamos que a guerra não é uma boa solução, por que não abordar de uma maneira diferente? Existem duas grandes questões que propagam essa cadeia de violência.
A primeira é o medo da incerteza, de o que vai acontecer ao liberar o acesso a drogas. Mas essa eu nem me vou dar ao trabalho de elaborar porque você pode mesmo verificar ao comprar uma passagem para Uruguai, Portugal, Suiça ou Holanda e ver o "verdadeiro caos".
A segunda é as grandes facções que querem continuar essa guerra, porque de alguma maneira é lucrativa. Quando você bane drogas, elas não apenas desaparecem. Ainda irá existir um mercado ilegal que cria outros mercados adjacentes, como o mercado penitenciário. Algumas cidades no mundo são totalmente dominadas por gangues, como Juares, fronteira com El Paso, onde 70% da economia depende do tráfico. E por outro lado, existe o investimento publico, a policia, que precisa entregar resultados para os políticos conseguirem mais votos. Por ser um consentimento moral tão grande, que as drogas devem ser combatidas, é muito popular medidas onde se promova esta guerra. Além disso, foi comprovado, em estados Americanos onde a cannabis foi legalizada ou descriminalizada, uma diminuição no consumo de bebidas alcoólicas. Portanto, o grande mercado de bebidas alcoólicas não quer mais um concorrente, e fazem uma pressão para a legislação não ser alterada. Andersson Duarte, tenente, da policia militar do Pará para o canal umdois fala "A atividade policial que se vê nas ruas, a lógica de combate [...] começa na formação do polical: traficante de drogas é o vilão da segurança pública". Quando um policial enxerga que na verdade ele é a parte que completa a guerra, e vê quem é o verdadeiro vilão, ele não consegue mais realizar o seu trabalho. O escritor do livro "Chasing the Scream: The First and Last Days of the War on Drugs", Johann Hari, fala como isso está implantado no pensamento dos policiais, figuras de poder e conservadores: "quando você prende um estuprador, no dia seguinte sua cidade tem menos estupros. Quando você prende um traficante, no dia seguinte tem o mesmo número de drogas, talvez até mais, que antes." O policial quer seguir sua campanha apenas porquê ele acredita no que aprendeu, não questiona o que para ele são fatos. Imagine um terraplanista. Ele não quer ouvir o seu lado pois se não os fatos dele ficam confusos. O que é verdade para ele não pode ser questionado.
A alternativa seria tratar o problema das drogas como um problema de saúde. No paradigma atual, o que é completamente comum em nossa sociedade, as pessoas que usam drogas começam com o intuito de socializar e festejar. Isto se dá pelo fato que existe uma desconexão entre as drogas que são legalizadas e as que não são. Por exemplo, uma pessoa pode tomar uma pílula de medicamento para dormir, a opinião social é normal. Agora, se uma pessoa resolve fumar um "baseado" para o mesmo fim, é julgado, pois não existe a associação ao problema e sim uma associação a festejar e ficar "chapado". E então, ao desconsiderar o real problema, é criado uma dissociação da parte da saúde, e a pessoa é considerada um infrator, viciado, ou outra denominação. Como Bruce Alexender evidenciou, o ser vivo busca sair de seu estado de consciência por causa de algum problema seu ou do ambiente que se encontra. Se todas suas necessidades são supridas, se ele está em bom estado de saúde, ele naturalmente não irá buscar isso com tanta avidez.
E além disso, a igreja católica também é problemática no estigmatismo das drogas. Na Europa, no final do Império Romano e ascensão da Igreja Católica, os povos bárbaros possuíam seu sistema de crenças que era muito popular e rival do cristianismo. Os druídas destes povos utilizavam uma vasta gama de plantas, cogumelos e outros produtos da natureza para tanto rituais como para medicina. Como forma de ataque, a Igreja partiu em uma guerra de destruição de tudo que fosse uma identificação da cultura e costumes destes povos bárbaros. Por isso, o uso destas drogas foi proibido e caçado, e um verdadeiro monopólio foi criado onde a ciência, medicina e conexão com Deus precisava ser comandada pelo Papa. Se o dinheiro investido no combate a ela for investido em aumentar o conhecimento e educação das pessoas sobre estas substâncias, além do tratamento das que estão viciadas e acompanhamento, é certo que teremos uma sociedade mais segura e prospera, além de mais conectada com os valores que devemos propagar, amor e empatia.
Vivemos num mundo onde não nos foi dada a escolha entre o que é aceito socialmente e legalmente ou não. Nascemos em países que já existiam antes nossos pais e nossos avós. Mas nem por isso tudo é uma verdade inquestionável. Giordano Bruno foi condenado a morte na fogueira por ir contra os valores da época. Estamos cada vez mais evoluindo e entendendo a nós mesmo e o mundo em nossa volta então, por hora, devemos ser otimistas que o futuro irá ser mais tolerante e empático.

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